quinta-feira, julho 28, 2005
16:24 |
Mamãe! Fábio Ricardo – 27/07/05 Era nova, pequena. Linda em seu conjuntinho de moletom rosa. Brincava na praia com a raquete de frescobol na mão, mas sem nenhuma bolinha. Brincava de jogar a raquete para o alto e pegar de volta, girava com ela na mão, riscando a areia fofa da praia. Estava sozinha, parecia não haver ninguém por perto. Ela, em sua inocência, não sabia que devia ficar sempre perto de seus pais, mesmo que fosse apenas para brincar na areia da praia. Estava frio, muito frio naquele dia, e por isso estavam lá na rodinha dos adultos, tomando chimarrão e conversando sobre coisas de adultos, para se esquentar. Ela não gostava daquele mate amargo, preferia se esquentar no sol. O sol era quente, amarelo, bonito, brilhante. Trazia vida, trazia felicidade para a jovem menininha. Ela podia ouvir ao longe o dedilhar do violão que tocava no velho rádio dos pais, com uma canção que falava sobre a lua. Ela não gostava da lua. Talvez viesse a gostar mais tarde, quando fosse uma jovem enamorada a olhar para o céu durante a noite. Mas agora, ela não gostava da noite. Só servia para dormir, descansar enquanto os mais velhos jogavam cartas e assistiam televisão. Jogou alto a raquete, que caiu alguns metros adiante. Correu para apanhá-la e viu um homem segurando um alto suporte branco de madeira, com dezenas de algodões doces, de todas as cores. Rosa, azul, verde, branco. O rosa era o que mais a atraía, pois combinava com o seu conjunto de calça e moletom rosas, presente de mamãe. Correu atrás do homem que entrava numa rua, saindo da praia. Olhou para trás enquanto corria e pensou em chamar sua mãe para comprar um algodão doce para ela, mas definitivamente não daria tempo. Ela ia precisar correr atrás do homem e chamá-lo, então ele iria junto com ela até seus pais, que lhe dariam dinheiro em troca do doce pedido pela menina, que prontamente se realizaria, como tantas vezes havia acontecido na praia, principalmente durante o verão. Dobrou a esquina e correu atrás do homem, que já estava razoavelmente longe. Largou a raquete no chão e correu mais, decidida a alcançá-lo. Por um instante pensou que o homem mulato e mal vestido que levava as guloseimas para longe dela estava fugindo. Ele pareceu ter olhado para trás uma ou duas vezes, espiando sobre o ombro em direção à garotinha. Então, se ele já a tinha visto, por que não parava? Isso! Ele está parando! Ele diminuiu o passo e entrou num prédio, um prédio em construção. A menina acelerou o passo e conseguiu chegar logo depois na mesma obra, saltou sobre umas tábuas que estavam jogadas no chão e viu apenas as pernas do rapaz subindo uma escada interna, indo para o segundo piso. Subiu atrás dele, e ao chegar ao novo piso, não conseguiu vê-lo. Mas o que mais importava, ela enxergou. O comprido bastão branco cheio de furos, com doces pendurados por todos os lados, estava apoiado no chão, próximo de uma pilha alta de tijolos, no meio do segundo andar. Ela caminhou até lá, chamando pelo “moço” para pedir um daqueles algodões doces, mas ele não respondia. Enfeitiçada pela saliva que já estava em sua boca, antecipando o gosto doce da guloseima, passou reto pela pilha de tijolos e nem viu o homem que se escondia atrás dela. Sentiu apenas as mãos firmes e calejadas tocando seus ombros, e logo em seguida tapando sua boca. Não soube por que, mas teve vontade de gritar, mas sua voz não saiu. Olhou assustada para o homem, que a puxava e empurrava com tanta força, tanta rigidez, mesmo que ela não reagisse, pois não sabia ainda o que estava acontecendo, não conseguia entender. Teve a boca tapada e não conseguia gritar mesmo com a dor rompante que explodiu pelo seu corpo, não entendi o que acontecia, mas não podia fazer nada, pois estava presa e emudecida pelo corpo grande e forte do homem, que já tinha despido sua calça do moletom. Sentiu dor, e sentiu uma dor tão forte, que nunca tinha sentido. Por instantes ela ficou imóvel, como se estivesse desmaiada, mas ainda conseguia sentir, apenas não conseguia se mover. Quando a dor cessou, ainda demorou alguns instantes para que ela pudesse recobrar completamente a consciência. O homem não estava mais ali, nem mesmo o algodão doce que carregava, com tantas cores e sabores, podia ser visto. Ela via apenas tábuas de madeira, telhas e tijolos. E não ouvia nada além de um zumbido constante em seus ouvidos, e algumas vozes à distância. Por algum motivo, as vozes chamaram sua atenção. Esqueceu de tudo por um instante, e prestou atenção apenas às vozes. Reconheceu a voz calorosa de sua mãe, mas agora ela não estava doce como normalmente era, nem ríspida como ficava quando a pequena fazia algo errado. Era a mesma voz que tinha ouvido uma vez, quando caiu do alto de uma árvore, no chão do quintal de sua casa. Uma voz de medo, pavor. - Mamãe... – sussurrou baixinho, mesmo querendo gritar. Arrastou-se pelo chão de cimento sujo, com as perninhas magras e claras, despidas de roupa, se sujando na poeira do local, e arranhando-se com pedras e pregos soltos pelo caminho. Não sentiu dor, porém. Apenas queria seguir a voz de sua mãe. - Mamãe. – dessa vez a voz já saiu normalmente. Arrastou-se até a beirada da construção, olhando em direção à praia, e viu sua mãe, seu pai e uma tia. O pai segurava sua raquete na mão. - Mamãe!! – o grito chegou aos ouvidos da família, que correu ao seu encontro. Em sua casa, o assunto virou tabu, e nunca mais se falou sobre isso. Aos 24 anos, já fazia pelo menos 15 anos que ninguém relembrava o fato. Nunca se falou sobre isso na família. Mas ela, a pequena garota, agora já adulta, do mesmo jeito, acordava todas as manhãs suando frio, e com o mesmo gosto amargo de duas sílabas na boca: - Mamãe! |
Fábio Ricardo |
PERFIL
Fábio Ricardo
24 anos
Jornalista
Editor Assistente da Mundi Editora
Baixista da banda Fodzillas
Corredor de rua amador
Blumenau - SC
Fotolog
fabio_ro@hotmail.com
RECOMENDO
Pega no meu Blog
Mundo 47
Duelo
de Escritores
BLOGROLL
Rodrigo Oliveira
Santuário
dos Delírios
Texto
Decorado
Um Momento!
Invisível Particular
Controvérsias
Pitorescas
Verde Velma
Jululi
Lady Moondust
Bruna Berka
Continuo
Virtual
Rogério KRW
Ypê Amarelo
Coluna Extra
Projeto
Diego
LINKS
Flor de Laranja
Objetos de Desejo
Popload
Novo
em Folha
Ilustrada
Blog
da Soninha
Blônicas
Comunicadores
Judão
Sedentário & Hiperativo
Jacaré Banguela
Jovem Nerd
Designed by Natalia
Santucci
deliriocotidiano@yahoo.com.br
Blogger