sexta-feira, novembro 12, 2004
01:52

Em Recife também chove
Fábio Ricardo de Oliveira


Fred já estava cansado. A vida, aos poucos, se tornava entediante. As mulheres agora davam muita dor de cabeça. Não mais o chamavam nos cinemas, filas de biblioteca, nem shows de bandas locais. Fred estava começando a se sentir sozinho, e pior do que isso, estava começando a se sentir velho.

Os anos passaram e Fred não era mais forte como antes, emagreceu, perdeu o charme e esqueceu o segredo que o fazia ganhar as garotas. Ele ainda era jovem, mas talvez não tanto quanto desejaria.

Sua cidade não significava mais um desafio diário, tornou-se apenas uma companhia pacífica. E isso Fred não aceitava. Ele estava ávido pela vida, queria ser mais uma vez livre e rebelde, como tinha sido em outra época.

Resolveu então agir sem pensar muito. Juntou um pouco de dinheiro que tinha guardado, e planejou uma viagem para o Nordeste. Nunca tivera a chance de conhecer o Nordeste, e tinha ouvido falar muito bem de lá. Arrumou as malas e comprou uma passagem. Blumenau-Recife com serviço de bordo. Não precisava de mais nada.

No dia marcado, Fred foi ao aeroporto, em uma cidade vizinha, tomou o avião e dormiu, sonhando com sua chegada.

No horário combinado, Fred colocava os pés naquela cidade desconhecida. Quis ir logo pra praia, mesmo não gostando de praias. Queria apenas sentir o vento, reconhecer o clima daquele lugar. Mas primeiro foi ao hotel, guardou suas coisas e desceu para o bar. Pediu uma cerveja e perguntou onde poderia ir para ver o mar sem que nenhum “caça-turistas” fosse encher seu saco. O garçom indicou a direção e fred saiu, bermuda e camiseta, em direção à praia.

O tempo não estava dos melhores, o céu estava um pouco encoberto, e ventava bastante.

- Pois é... em Recife também chove... – comentou consigo mesmo, sorrindo.

Foi até a praia, olhou o mar e se sentou em um barzinho na beira da praia. Pediu uma cerveja e ficou sentindo o vento bater no rosto. Tirou o volume de bolso de “O capitão saiu para o almoço e os marinheiros tomaram conta do navio”, de Charles Bukowski, e começou a ler, apoiado no balcão.

Logo reparou que sentados numa calçada próxima, estavam um rapaz e uma garota. Deviam ter quatro ou cinco anos a menos que ele, e riam um riso verdadeiro, cúmplice. Fred se achou ainda mais velho, por prestar atenção nos dois jovens, que pareciam tão apaixonados. Já fazia bastante tempo que Fred não se apaixonava, ele sentia falta disso.

Alguns minutos depois, o rapaz do casal se levantou, deu um beijo no rosto da menina e saiu. Ela se levantou, e sentou numa das banquetas do balcão onde Fred lia, a umas três banquetas de distância. Ficou olhando para ele por algum tempo, e como não houve resposta, perguntou:

- Você não é daqui, não é mesmo?
- É tão óbvio assim? – perguntou Fred sem muita reação.
- É sim. Você ta lendo Bukowski na beira da praia. Isso não é comum.
- Verdade. Gosta do velho Buk?
- Gosto. Um amigo meu adora. Escreve como ele.
- Isso eu duvido, mas tomara que seja eu quem está errado. – disse, colocando o livro fechado sobre a mesa. – Seu nome, como é?
- Natália. E o seu?
- Fred. Sou do Sul. Acabei de chegar. Não que me mostrar algo legal pra se fazer por aqui? Eu te sigo.

A garota concordou e os dois saíram. Caminharam lado a lado e conversaram sobre coisas simples, atendo-se principalmente à música e literatura. A garota também gostava de escrever. Mantinha uma espécie de diário virtual, onde transformava os acontecimentos cotidianos em poesia. Fred gostou da idéia, de certa maneira, é o que ele vinha tentando fazer. Estava sem escrever há muito tempo, e não sabia aonde tinha ido parar a sua criatividade, a sua inspiração. Sentia vontade de escrever sobre coisas simples e sem muita importância, assim como a garota lhe contava.
- Eu preciso voltar a escrever. – disse Fred à garota. – isso está me deixando louco.
- Então escreva. O único culpado de você parar de escrever é você mesmo.

Nesse exato momento, começou a chover. Os dois ficaram quietos alguns instantes, olhando para cima e sentindo a chuva fina cair em seu rosto. Logo em seguida, a chuva aumentou e se tornou pesada. Alguns trovões ecoaram na distância. Os dois se olharam e a garota falou:
- Está chovendo, vamos parar em algum lugar?
- Por que? Para perder a melhor parte? – perguntou Fred olhando para cima e abrindo os braços. – Deixa de medo, vamos viver. – falou ao mesmo tempo em que segurou a mão da menina.
- E qual sua idéia? Ficar parado aqui?
- Não, vem comigo. – após falar isso, puxou sua mão e correu na chuva, os dois corriam rindo um com o outro. A camiseta branca de Fred já se tornava quase transparente, mas a blusinha preta dela não sofria com os efeitos da chuva. Já encharcados, rindo alto, pararam sob a marquise de uma padaria, onde algumas outras pessoas esperavam a chuva passar.

Natália cruzou os braços e sentiu um calafrio atravessando sua espinha, fazendo todo seu corpo tremer. Percebendo isso, Fred abraçou-a e alisou seu cabelo.
- Frio? – perguntou.
- É... vamos pegar um resfriado desse jeito.
- Então espera um pouco. – disse Fred entrando na padaria.

Ele caminhou pingando até o freezer e pegou dois picolés. Foi pagar no caixa e tomou uma broca do padeiro por molhar toda a padaria. Se desculpou rindo e voltou para fora.
- Toma, Natália. Se for pra ficar resfriada, que faça valer a pena.
- Apostamos então uma corrida até a próxima marquise? – perguntou a menina, dando uma lambida no picolé e se preparando para correr.
- Certo, mas antes, olhe aquilo lá. – Fred apontou para trás dela.

Assim que Natália se virou, Fred saiu correndo, na chuva. Quando notou que tinha sido enganada, ela correu atrás dele, dando gargalhadas e gritando coisas como “isso não vale!”. Correram até chegar à próxima marquise, e quando Fred ia chegar antes, se virou para ela e abriu os braços. Ela correu em sua direção e se abraçaram, Fred girando ela, que tirou os pés do chão e ria, com óbvia felicidade, parecendo uma criança.

Quando pararam de girar, ainda sob a forte chuva, Fred olhou em seus olhos e perguntou, com a voz baixa:
- Quem não ia gostar muito disso é o seu namorado.
- Natália não tem namorado. Ele era só um amigo. E o que estamos fazendo de mais? Estou apenas sendo feliz.
Depois de dizer isso, sorriu, e quando Fred colocou a cabeça para frente, num movimento para beijá-la, ela se apoiou em seus ombros, ficou na ponta dos pés, esticou a cabeça e deu um beijo na sua testa.
- Beijo na testa. – afirmou sorridente.
- Beijo de festa. – consertou Fred. Ambos deram as mãos e continuaram andando pelas belas e molhadas ruas de Recife.

FIM DA PARTE I

----------------

e pra vc, beijo na testa.

Fábio Ricardo

[início]

PERFIL
Fábio Ricardo
24 anos
Jornalista
Editor Assistente da Mundi Editora
Baixista da banda Fodzillas
Corredor de rua amador
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